um sermão sobre João 3:16
Sermão pregado pelo Reformador
Martinho Lutero
Em 25 de maio de 1534
Para a Segunda-Feira do Pentecostes
“Porque Deus amou o mundo de tal maneira que deu o
seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crê
não pereça, mas tenha a vida eterna”
João 3:16
A boa nova para um mundo pecador.
Esse é, sem dúvida, um dos mais sublimes trechos evangélicos do Novo
Testamento. Se fosse possível, teríamos que a gravá-lo em nossos
corações com letras douradas, e todo cristão teria que se familiarizar
com essas palavras e recitá-las em sua mente pelo menos uma vez ao
dia, para conhecê-las bem de memória. Ali se escutam palavras que se
forem cridas robustamente, conferem ao triste alegria, e ao morto, vida.
Não podemos compreendê-las todas, não obstante, queremos confessálas
com a boca e rogar que o Espírito as transfigure em nosso coração e
as faça tão luminosas e ardentes que penetrem até o mais profundo de
nosso ser. É verdadeiramente um Evangelho de grande riqueza, repleto
de consolo. “Deus amou ao mundo”, e o amou de tal maneira “que deu a
seu Filho unigênito, para que todo aquele que nele crer não pereça, mas
tenha a vida eterna.” O que isso significa, o ilustrarei com um quadro
em que veremos por um lado ao doador, e por outro, o receptor, e alem
disso, o presente, o fruto e o proveito do presente, e tudo isso em uma
dimensão indizivelmente grande.
I. Deus, o Criador mesmo, é o que dá ao mundo o grande dom.
O maior de todos é o doador. O texto não diz “O Imperador deu”, mas
sim “Deus deu”: Deus, o Insondável, o Criador de tudo quanto existe.
Mais o que isso quer dizer? As palavras humanas são demasiadamente
pobres para explicá-lo em seu pleno alcance. Todas as coisas criadas
são diante Dele como um grão de areia diante dos céus e terra. Com
razão se fala Dele como do “que dá boas coisas”. Essa é, pois, a pessoa
do doador. Quando escutamos a palavrinha “Deus”, devemos pensar
que comparados com Ele, todos os reis e imperadores com seus dons e
com suas cortes não são nada mais que um monte de lixo. Tanto deve
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nosso coração encher-se de gozosa reverência, que até mesmo o mais
precioso tesouro dessa terra parecerá diminuto comparado com Deus;
tão alta assim deve ser nossa estima para com o Senhor.
II. O meio da entrega voluntariosa de Deus é seu grande amor.
Alem disso, Deus dá de uma maneira que, tal como sua divina
majestade, vai alem de toda medida. O que Ele nos dá, não o dá como
recompensa de nossa dignidade, ou de ignorância de nossa indignidade,
mas sim de puro amor; Ele “amou ao mundo”. Deus, como doador,
realmente assim o É de todo coração, e é impulsionado por Seu amor
divino, que não está condicionado por nenhum mérito da parte dos
homens. Não existe nem em Deus nem nos homens uma virtude mais
excelsa do que o amor. Pois por aquilo que se ama, se empenha tudo,
corpo e vida. Certamente, a paciência, a castidade, a justiça, também
são virtudes muito apreciáveis – no entanto, parecem pouca coisa
comparadas com a virtude do amor, que é a suma de todas as demais.
O que possui a virtude da justiça, dá a cada um o prêmio e a
recompensa que por seus méritos lhes corresponde. Mas à aquele quem
amo, a esse me entrego totalmente: para tudo o que se necessite, me
acharei disposto. Assim, quando o Senhor nosso Deus nos dá algo, o dá
não somente por causa de sua paciência, não somente por ser o
administrador da justiça, mas sim por razão dessa virtude suprema que
é o amor. Isso deve despertar nos corações humanos uma nova vida,
tirar do meio deles toda tristeza, e atrair todos os olhares até o amor
abismal que habita no coração de Deus - Ele, o doador máximo, doa
impulsionado pela mais elevada virtude, e essa virtude confere à dádiva
seu caráter tão precioso como dom que provem do amor. Quando nesse
dom intervém o coração, se pode dizer “quanto aprecio esse presente,
porque vejo que é de coração!” Não é tanto o presente em si que
tomamos em conta, mas sim o afeto com que foi feito, o “coração”: isso é
o que dá seu verdadeiro valor. Se Deus me houvesse dado um só olho,
um só pé, uma mão apenas, e se eu soubesse que isso Ele o fez por
amor divino e paternal, eu deveria dizer: “esse olho me é mais precioso
do que mil olhos.” Assim mesmo, se toma consciência de que Deus lhe
obsequiou o batismo, você deve sentir-se todos os dias como se já
estivesse no reino dos céus – pois não é tanto o grande prestígio do
batismo o que nos comove, mas sim o grande amor que Deus nos
demonstra com ele.
III. A dádiva de Deus é seu próprio Filho, e com Ele nos dá tudo.
Grande é, portanto, o coração, grande o doador, e é inefávelmente
grande, em terceiro lugar, a dádiva. O que Deus nos dá? “seu Filho”!
Isso sim que se chama dar! Não uma moeda, ou um olho, ou um cavalo,
ou uma vaca, ou um reino, tampouco o céu com o sol e todos os astros
juntos, nem a criação inteira, mas sim “o seu Filho”, que é tão grande
como o Pai mesmo! Saber isso há de ascender em nós uma luz no
coração, mas ainda, um fogo, ao extremo de nos fazer saltar de alegria
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sem cessar, pois assim como é infinito e inefável o doador e seu
propósito, assim também o é a dádiva. Ao dar-nos a seu Filho, o que Ele
reteve de nós? Junto com seu Filho, ele mesmo se entrega a nós, como
o expressa Paulo em Romanos 8:32: “Aquele que nem mesmo a seu
próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará
também com ele todas as coisas?” Conforme essas palavras, tem que
estar incluso tudo, nomeie como se queira, Diabo, morte, vida, inferno,
céu, pecado, justiça ou injustiça, tudo tem que ser nosso, posto que nos
foi dado o Filho, em quem subsiste todas as coisas. Em consequência:
se cremos neste Filho e lhe aceitamos como dádiva de Deus, todas as
criaturas, boas ou más, vivas ou mortas, tem que estar a nosso serviço.
Nesse sentido Paulo diz em 1º Coríntio 3:21-23 “tudo é vosso; Seja
Paulo, seja Apolo, seja Cefas, seja o mundo, seja a vida, seja a morte,
seja o presente, seja o futuro; tudo é vosso, E vós de Cristo, e Cristo de
Deus.” Em Cristo está compreendido tudo. Verdadeiramente: que dádiva
é essa! Se pensar bem, você não poderá menos que dizer: “que é o ouro
ou a prata, a glória e todas as demais coisas que apetecem ao homem,
em comparação com esse tesouro?” Porem, ai está a maldita
incredulidade (da que Cristo se queixa depois) e essa terrível cegueira
que faz com que se mau temos ouvimos essas coisas, não as creiamos,
e permitimos que palavras tão sublimes e consoladoras entrem por um
ouvido e saiam pelo outro. Como as pessoas se apressam quando se
lhes apresenta uma boa oportunidade de comprar um palácio ou uma
casa, como se nossa vida dependesse por inteiro de tais bens materiais!
Porem, aqui onde nos é pregado com palavras tão formosas que Deus
nos há dado a Seu Filho, manifestamos indolência que não tem
comparação. Quem é que faz com que essa dádiva tão grande seja tão
pouco estimada, que não se a gravemos no coração, e que não sejam
dadas a Deus as graças por ela? É o maligno, o diabo, que tomou posse
de nosso coração e que faz com que sejamos duros e frios. Por isso eu
disse que cada manhã teríamos que levantar da cama com essas
palavras e agradecer a Deus por elas. “Porque Deus amou o mundo de
tal maneira que deu o seu Filho unigênito” aqui temos as três partes, o
que dá, Seu amor e Sua dádiva, a saber, Jesus Cristo. Com isso está
dado tudo.
IV. A única condição junto à dádiva é que a aceitemos.
Porem existe algo mais que devemos tomar em conta: Deus conceitua
sua dádiva não como um pagamento ou uma recompensa a que
tenhamos um direito, mas sim realmente como um dom. Não nos foi
emprestada, nem há que pagá-la, tampouco se fala de um esquema. O
único que há que se fazer é estender a mão. Oh Senhor, tem piedade de
nós que somos tão duros para crer-lhe! Deus quer dar-lhe seu dom não
só para tocá-lo timidamente, mas sim o quer dar a você de verdade, não
como prêmio, mas sim como propriedade sua. Você não tem mais que o
fazer que não seja aceitá-lo. Porem, adivinhe: como se chama as
pessoas dos quais se diz: “ a ninguém se lhe regala nada contra sua
vontade?” Suponhamos que um príncipe gênero fizesse para um pobre
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que não tem onde cair morto a oferta de presentear-lhe um palácio, e
que lhe reportaria um benefício anual de 1.000 florins, e esse pobre lhe
contestasse: “Não o quero”. Seguramente todo mundo bradaria: “Jamais
se viu um idiota como esse! Que animal!” Sim, assim diria o mundo.
Mas aqui não lhe dá só um palácio; aqui Deus dá a Seu Filho,
gratuitamente; porque Ele mesmo nos convida: “estenda sua mão,
tomá-lo!” Nosso papel é, segundo a vontade de Deus, o de recebedores,
nada mais. E isso não o queremos! Agora, calcule que pecado mais
grave é a incredulidade! Resistir ao Senhor que quer nos dar a seu
Filho, isso já não é coisa de seres humanos! Porem, nessa incapacidade
de alegrar-se pelo dom de Deus podeis ver que o mundo inteiro perdeu
o juízo e está possuído pelo demônio. Não querem se conformar em
serem simples recebedores. Ah, se fora um florim o que nos fosse
oferecido, isso sim despertaria a alegria geral, porem o Filho de Deus,
esse não! Tão completamente se acha o mundo em poder do diabo! Essa
é a quarta parte: o que Deus nos oferece, deve-se considerar pronta e
plenamente uma dádiva: não é requerido que a consigamos mediante
certos serviços, nem que a paguemos.
V. O destinatário e receptor da dádiva de Deus é o mundo pecador.
Em nosso quadro também figura o recebedor: o mundo. Recebedor
abominável, parece-me, indizivelmente abominável. Com que o há
merecido? Por acaso o mundo não é a noiva de Satanás, o inimigo de
Deus e seu maior blasfemador? O maior inimigo de nosso Deus é o
diabo – porem o segundo somos nós, que sem Cristo somos filhos do
diabo. Pois bem: assim como têm tomado consciência do que é Deus, e
o Filho de Deus, e de como esse Filho é a dádiva de Deus, grave agora
também em seu coração a imagem fiel do que é o mundo. O mundo não
é outra coisa que uma massa de homens que não crêem em Deus, que o
consideram por mentiroso, que blasfemam de Seu santo Nome, que
desprezam Sua palavra, que desobedecem a pai e mãe, que cometem
adultério, que caluniam, furtam e praticam toda sorte de outras
maldades. Salta a vista que no mundo impera a infidelidade, a
blasfêmia e todo quanto vício que se possa catalogar. E a essa amada
noiva e filha, que é inimiga de Deus, que Ele dá seu Filho.
Eis aqui outro fator que dá realce à dádiva: que nosso Deus e Senhor
não se afasta enojado desse mundo ruim, mas sim que traga de um só
gole todas as iniqüidades dos homens: as blasfêmias que proferem
contra Seu nome, e a transgressão de todos Seus mandamentos. Apesar
de toda grandeza como presenteador, Deus realmente deveria sentir
uma profunda repugnância ante ao mundo e sua maldade, já que os
pecados do mundo não têm não soma. E, no entanto, Deus vence a
maldade e apaga os pecados contra a primeira e a segunda tabua da Lei
e já não quer saber mais nada deles. Não deveria de ter amor e
confiança para com Aquele que quita os pecados e ama ao mundo com
todas suas transgressões? E que inumeráveis elas são! Não há homem
que possa contar seus próprios pecados – quem poderia contar os do
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mundo todo? E, não obstante, o Evangelho nos diz que Deus há dado a
Seu Filho “ao mundo”. Não pode então caber a menor dúvida: se Deus
ama ao mundo que blasfema Dele, a remissão dos pecados tem que ser
uma realidade incontrovertível. Se Deus pode dar ao mundo, que é seu
inimigo, um presente tão grande, ou melhor ainda, se Ele mesmo se
entrega ao mundo, como Ele pode odiar ao mundo? Que coração não
deveria encher-se de regozijo diante do fato de que Deus mesmo
intervêm na miséria humana, e dá Seu amado Filho aos homens
malfeitores? Que malfeitor fui, por exemplo, eu mesmo, que durante
anos li a missa e crucifiquei a Cristo, e pratiquei todas as idolatrias
próprias da vida monástica! E apesar de ter-lhe ofendido tanto, me
conduziu ao conhecimento de Seu Filho e de si mesmo – tal é Seu amor
para comigo, sua criatura pecaminosa, que não recordará de todo o mal
que lhe fiz. Oh Senhor Deus, que homem deve ser aquele que, em vista
de tudo isso ainda persiste em sua ingratidão! Gozo, indizível gozo
deveria nos encher e gostosamente deveríamos não só servir-Lhe, mas
sim também sofrê-lo tudo, e rirmos quando tivéssemos que morrer por
causa Dele, nosso amoroso Pai que nos há dado um tesouro tal como
esse. Não deveria eu de sofrer prazerosamente até mesmo a morte na
fogueira como fiel testemunha de meu Senhor, se essa fé me anima? Se
isso não acontece, se esse gozo não se produz, agradeçamos isso à
nossa incredulidade que nos freia. Assim, pois, temos visto o enorme
que é tudo isso: o doador, Seu amor, Seu dom, o recebê-lo, e também a
pessoa que o recebe.
VI. A finalidade da dádiva de Deus é a salvação da morte e a vida
eterna.
Segue agora o propósito último do doador divino. Qual é sua intenção
ao nos dar sua dádiva? Não me a dá para que eu coma ou beba dela,
mas sim para que tenha dela o maior dos proveitos. Não a quer dar
como um simples dote, assim como tampouco nos dá o batismo e a
santa ceia como partes de um dote. Antes, a finalidade é que “todo
aquele que Nele crê, não pereça, mas tenha a vida eterna.” Não se trata
de que Ele me dê um reino ou o mundo inteiro – o que quer dar-me é
que eu esteja livre do Inferno e da morte, livre do perigo de perder-me
para sempre. Essa é a missão que o Filho deve cumprir: o diabo ter que
ser devorado, o inferno extinguido, e eu tirado da interminável miséria.
Tal há de ser o efeito da dádiva – deve trancar à chave às portas do
Inferno. E converter um coração débil em um coração forte e confiante –
e não só isso, mas que também deve criar vida, e vida perdurável. Isso
sim que se chama uma dádiva! Quem queira que seu coração
transborde de alegria, aqui achará motivo mais que suficiente para isso
– pois nessas palavras do Evangelho nos é prometido uma vida eterna
onde já não se verá a morte, onde haverá plenitude de gozo e onde
experimentemos a mais ampla certeza de ter um Deus cheio de
misericórdia e graça. Por essa razão, o que aqui nos é dito são palavras
em cujas profundidades ninguém logra penetrar completamente. Dia a
dia se deve as pronunciar em oração e com o rogo de que o Espírito
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Santo as inscreva no coração com letras indeléveis. E esse mesmo
Espírito faça então de nós um bom teólogo, um que saiba falar de
Cristo, discernir toda a doutrina e sofrer com paciência tudo o que Deus
lhe imponha. Porem, se deixamos passar ao longe essas palavras com
um bocejo, tampouco poderão ter efeito duradouro, e o coração fica tal
como estava antes. Esse estado de coisas sempre de novo dá lugar a
tristes reflexões – mas aqueles que contudo que tão
despreocupadamente deixaram que essas palavras se perderam ao
vento, o lamentarão no inferno.
VII. A fé é a mão que se apropria da dádiva da vida eterna.
Qual é agora a maneira como posso apropriar-me dessa dádiva? Qual a
bolsa, a arca em que se pode depositar esse tesouro? É a fé, a saber, a
fé com que se crê – essa faz que abramos as mãos e a bolsa. Pois assim
como Deus é o doador por meio do amor, nós somos os receptadores
por meio da fé. Vocês não precisam a merecer mediante uma vida
monástica. Suas próprias obras nada têm que ver nesse assunto. O
único que deve lhes importar é que o deixem Ele dar – em outras
palavras: que mantenhas a boca aberta. Eu não tenho que fazer nada,
simplesmente ficar quieto, e esperar que me coloquem a comida na
boca, por assim dizer. Dessa maneira o dom é dado por amor e recebido
por fé. Se você crê isso: “De tal maneira amou Deus ao mundo, que há
dado a seu Filho unigênito, para que todo aquele que Nele crê não se
perda, mas tenha a vida eterna”, então com toda certeza é salvo e bemaventurado
– porque o dom é demasiadamente grande como para
duvidar-se da capacidade de tragar a morte. Como o jogar uma gotinha
d’água nas chamas de um forno, assim é o pecado de todo o mundo
comparado com essa dádiva. Nem bem o pecado entre em contato com
Cristo, já fica também extinguido, como se extingue uma chispa de fogo
quando essa cai no mar. Mas isso só acontece quando alguém se
apropria desse tesouro mediante a fé e coloca em Cristo toda sua
confiança. Isso é o que nos dize o texto: “De tal maneira Deus amou o
mundo”. Palavras áureas, palavras de vida! Queira Deus que possamos
captá-las! Pois ao que pensa nessas palavras, nenhum diabo lhe pode
assustar – tem que ter o coração repleto de alegria e dizer: “Tenho a teu
Filho, e como testemunha me tem dado alem disso o Evangelho, quer
dizer, Tua própria palavra. Já não há engano possível. O creio, Senhor, e
sei que mais não tenho que fazer. Ou, se duvido, concede-me Tua graça
para que eu o creia” Assim pois, aprenda cada qual crer com mais e
mais firmeza – porque o crer é indispensável para receber. E dessa
maneira o homem chega a ser feliz e alegre, de modo que com gosto fará
tudo e padecerá tudo, porque sabe que possui um Deus que lhe é
propício.
VIII. Essa dádiva está destinada a cada homem em particular.
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“Muito bem”, me dirás “isso tudo eu poderia compreender se eu fosse
Paulo, Pedro ou Maria. Aquelas pessoas foram pessoas santas; a elas eu
creio que lhes foi dado esse dom. Porem, como posso saber que me foi
dado a mim também? Eu sou um pecador, não mereço tal coisa.” Por que
você não se fixa nas palavras que dizem a quem Deus há dado a seu
Filho? Ao mundo! Porem, o mundo não é Pedro e Paulo, mas sim todo
quanto tem natureza humana. E bem, você crê que é um ser humano?
Tome-se pelo nariz e veja se você não é um homem como qualquer
outro! Em que estamos, pois? Não diz o texto que o Filho há sido dado
ao mundo? Por conseguinte, todos os que são pessoas humanas, devem
apropriar-se do dom que Deus lhes oferece. Pensar eu você e eu ficamos
excluídos, é anular toda a dádiva: porque a ti é a quem importa, você é
um ser humano e por assim também uma parte do mundo. Deus deu
seu Filho não ao diabo, ou aos cães, etc, mas sim aos homens. Por isso
não há que colocar em dúvidas a veracidade de Deus dizendo: “Quem
sabe se me o deu a mim?” Isso significa fazer de nosso Senhor e Deus
um mentiroso. Faze-te cruzes para que tais pensamentos não te
enganem nem se aninhem no seu peito! Diga porem: “O que me importa
que eu não seja Pedro nem Paulo! Se Deus houvesse desejado dar sua
dádiva aos quais são dignos dela, o haveria dado aos anjos, ou ao sol,
ou a lua. Esses teriam sido limpos e puros. Porem, quem era Davi? Um
pecador, o mesmo que também os apóstolos.” Por isso, ninguém deve
ceder ao argumento de “eu sou pecador, portanto não sou digno do dom
de Deus, como o é um Pedro.” Ao contrário, assim é como deves pensar:
“Seja eu o que for, de nenhum modo devo fazer de Deus um mentiroso.
Eu pertenço ao ‘mundo’ que Ele amou. E se não me apropriasse da
dádiva de Deus ao mundo, acrescentaria a todos os demais pecados
ainda esse de culpar a Deus de mentiroso.” Você me objetará: “Como
posso pretender que Deus está pensando só em mim?” Não, Deus está
pensando em todos os homens em geral; por isso mesmo não posso
senão ter a plena certeza de que não exclui a nenhum. Porem, se
alguém se considera excluído, ele mesmo terá que dar conta disso. Eu
não quero julgar-lhe, porem sua própria boca o julgará por não ter-lhe
aceitado.
E aqui ponhamos ponto final à exposição dessas palavras. É uma
mensagem belíssima de que jamais se acabará de aprender. É o texto
básico que nos descreve a Cristo, e que nos diz o que o cristão possui, o
que é o mundo, e que é Deus. Invoquemos ao Senhor para que o
possamos crer firmemente, tomar-lo como consolo em sofrimentos e
morte, e por fim chegar à bem-aventurança eterna. Ele o conceda-nos
por Sua graça. Amém.
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