Isto significa vida eterna: Que absorvam conhecimento de ti, o único Deus verdadeiro a e daquele que enviaste, Jesus Cristo. João 17:3

Crê no Senhor Jesus e serás salvo, tu e a tua casa. Atos 16:31

Velho Testamento

O Chamado de Abrão (Gênesis 11:31 - 19:9)

Introdução

O capítulo 12 começa uma nova divisão no livro de Gênesis. Os primeiros onze capítulos costumam ser chamados de “história primitiva”. Os últimos capítulos são conhecidos como “a história dos patriarcas”. Enquanto o efeito do pecado do homem se torna cada vez mais abrangente, o cumprimento da promessa de Deus de Gênesis 3:15 se torna cada vez mais seletivo. O Redentor devia vir do descendente da mulher (Gênesis 3:15), depois dos descendentes de Sete, de Noé e agora de Abraão (Gênesis 12:2-3).
Teologicamente, Gênesis capítulo 12 é a chave para as passagens do Velho Testamento, pois contém aquilo que é chamado de a Aliança Abraâmica. Esta aliança é a linha que une todo o Velho Testamento. É vital para o correto entendimento das profecias da Bíblia.
Em Gênesis capítulo doze não só chegamos a uma nova divisão e à uma importante aliança teológica, mas, principalmente, a um grande e piedoso homem - Abraão. Aproximadamente um quarto do livro de Gênesis é devotado à vida deste homem. São feitas mais de 40 referências a Abraão no Velho Testamento. É interessante notar que, no Islamismo, Abrão é o segundo homem mais importante depois de Maomé, sendo que o Alcorão se refere a ele 188 vezes.128
O Novo Testamento de forma nenhuma diminui a importância da vida e do caráter de Abraão. Há aproximadamente 75 referências a ele no Novo Testamento. Paulo escolheu Abraão como o melhor exemplo do homem que é justificado diante de Deus pela fé e não pelas obras (Romanos 4). Tiago se refere a Abraão como um homem que demonstrou sua fé aos homens por meio das obras (Tiago 2:21-23). O escritor aos Hebreus aponta Abraão como exemplo de um homem que andava pela fé, dedicando mais espaço a ele do que a qualquer outro indivíduo no capítulo onze (Hebreus 11:8-19). Em Gálatas capítulo 3 Paulo escreveu que os cristãos são “filhos de Abraão” pela fé, e assim, justos herdeiros das bênçãos a ele prometidas (Gálatas 3:7-9).
Ao voltarmos nossa atenção para Gênesis capítulo 12, vamos ficar de olho em Abraão como exemplo de quem anda pela fé. Em especial, quero ressaltar o processo empregado por Deus para fortalecer a fé de Abrão e torná-lo o homem temente que ele foi. Muitos erros tão comuns nos círculos cristãos a respeito da natureza de uma vida de fé podem ser corrigidos pelo estudo da vida de Abraão.

As Circunstâncias que Envolveram o Chamado de Abrão
(Josué 24:2-3, Atos 7:2-5)

Moisés não nos deu o panorama necessário para compreendermos completamente a importância do chamado de Abrão, mas isto está registrado na Bíblia para nós. Estêvão esclarece a época em que Abrão recebeu o primeiro chamado de Deus. Não foi em Harã, como uma leitura casual de Gênesis pode nos levar a crer, mas em Ur. Quando Estêvão esteve diante de seus incrédulos irmãos judeus, ele recontou a história do povo escolhido de Deus, começando com o chamado de Abraão:
Estêvão respondeu: Varões, irmãos e pais, ouvi. O Deus da glória apareceu à Abraão, nosso pai, quando estava na Mesopotâmia, antes de habitar em Harã, e lhe disse: Sai da tua terra e da tua parentela e vem para a terra que eu te mostrarei. (Atos 7:2-3)
Apesar de nem todos os estudiosos da Bíblia concordarem com a localização de Ur129, a maioria concorda que seja a Ur da Mesopotâmia meridional, na qual costumava ficar a costa do Golfo Pérsico. O sítio da grande cidade foi descoberto em 1854, e desde aquela época tem sido escavado, revelando muitas coisas sobre a época de Abrão.130 Ainda que o verdadeiro período em que Abrão viveu em Ur possa ser matéria de discussão, podemos dizer com certeza que era justa sua ostentação de ser uma civilização altamente desenvolvida. Há amplas evidências de grandes fortunas, arte trabalhada e ciência e tecnologia avançadas.131 Tudo isso nos fala acerca da cidade que Abrão recebeu ordem para deixar. Nas palavras de Vos,
Sem levar em consideração a época em que Abraão partiu de Ur, ele deu as costas a uma grande metrópole, iniciando sua jornada de fé para uma terra sobre a qual pouco ou nada sabia e que, provavelmente, muito pouco lhe ofereceria do ponto de vista de benefícios materiais.132
Se a cidade que Deus disse a Abrão para deixar era grande, o lar que ele deixou prá trás parece ter sido menos que religioso. Poderia supor que Terá fosse um homem crente, que educou seu filho, Abrão, para crer num único Deus, diferente das pessoas de seus dias, mas isto não foi bem assim. Josué, em suas palavras de despedida no final de sua vida, nos dá uma compreensão melhor do caráter de Terá:
Então, disse Josué a todo o povo: Assim diz o Senhor, Deus de Israel: Antigamente, vossos pais, Terá, pai de Abraão e de Naor, habitaram dalém do Eufrates e serviram a outros deuses. (Josué 24:2)
Podemos então dizer que Terá foi idólatra, tal como aqueles de seus dias. Não é de se estranhar que Deus ordenasse a Abrão para deixar a casa de seus pais (Gênesis 12:1)!
A idade de Abrão tampouco foi um fator favorável para partir de Ur e ir para alguma terra desconhecida. Moisés nos diz que Abrão tinha 75 anos quando entrou na terra de Canaã. Pense nisso. Abrão já estaria no seguro social há mais de dez anos. Para ele a “crise da meia idade” era coisa do passado. Em vez de pensar numa nova terra e uma nova vida, a maioria de nós estaria pensando numa cadeira de balanço e numa casa de repouso.
Não somos levados a ficar impressionar pela idade de Abrão por causa do longo tempo de vida dos homens primitivos, mas Gênesis capítulo onze nos informa que a longevidade do homem dos tempos antigos era muito maior que na época de Abrão. Abrão morreu com a idade de 175 anos (25:7-8), um pouco mais do que Sem (11:10-11) ou Arfaxede (11:12-13). Um dos propósitos da genealogia do capítulo onze é o de nos informar que os homens estavam vivendo vidas mais curtas, e tendo filhos mais jovens. Abrão não era, em nossa linguagem, nenhum “frangote” quando deixou Harã e partiu para Canaã.
Tudo isto nos leva a pensar nas objeções e empecilhos que deviam estar na cabeça de Abrão quando recebeu o chamado de Deus. Ele partiu de Harã, não porque fosse a coisa mais fácil a fazer, mas porque Deus o levou a isso. Assim dizendo, não estou querendo glorificar a fé de Abrão, pois, como veremos, inicialmente sua fé foi muito fraca. Os obstáculos foram totalmente superados pela iniciativa de Deus logo nas primeiras fases da vida de Abrão. Isto resta ser provado.

A Ordem de Deus

O chamado de Abrão está registrado em Gênesis 12:1 “Ora, disse o Senhor a Abrão: Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai e vai para a terra que te mostrarei.”
Uma tradução melhor da primeira sentença deste chamado é encontrada nas versões King James e Nova Versão Internacional, onde se lê: “O Senhor dissera a Abrão...”
A diferença é importante. Sem ela somos levados a pensar que o chamado de Abrão veio em Harã, não em Ur. Mas sabemos, pelas palavras de Estêvão, que o chamado de Abrão veio em Ur (Atos 7:2). O passado mais que perfeito (dissera) é tanto gramaticalmente correto quanto exegeticamente necessário. Ele nos diz que os versos 27 a 32 do capítulo 11 são um parênteses133, não seguindo rigorosamente uma ordem cronológica.
O chamado de Abrão veio junto com uma aparição de Deus.134 Embora Moisés tenha mencionado a aparição de Deus depois que Abrão já estava em Canaã (12:7), Estêvão nos informa que Deus apareceu a Abrão ainda em Ur (Atos 7:2). À luz de todas as objeções que poderiam ser levantadas por Abrão, tal aparição não deveria ser incomum. Deus também apareceu a Moisés na época de seu chamado (Êxodo 3:2, etc.).
Em certo sentido, a ordem de Deus para Abrão foi muito específica. Foi dito a Abrão, em detalhes, o que ele deveria deixar prá trás. Deveria deixar sua terra, seus parentes e a casa de seu pai. Deus iria fazer uma nova nação, não simplesmente revisar alguma já existente. Pouco da cultura, religião ou filosofia do povo de Ur deveria fazer parte daquilo que Deus planejou fazer com Seu povo, Israel.
Por outro lado, a ordem de Deus foi deliberadamente vaga. Enquanto aquilo que devia ser deixado prá trás era muito claro, aquilo que estava à frente era angustiantemente desprovido de detalhes “... para a terra que eu te mostrarei.”
Abrão não sabia nem mesmo onde habitaria. Como o escritor de Hebreus colocou: “...e partiu sem saber para onde ia.” (Hebreus 11:8)
A fé à qual somos chamados não é uma fé nalgum plano, mas numa pessoa. Muito mais do que onde ele estava, Deus se preocupava com quem ele estava, e em Quem confiava. Deus não está preocupado tanto com geografia quanto o está com santidade.
A relação entre a ordem de Deus a Abrão no verso um e o incidente em Babel no capítulo onze não deveria passar despercebida. Em Babel os homens preferiram desprezar a ordem de Deus de se dispersar e povoar a terra. Eles se empenharam em encontrar segurança e renome ao se unir e construir uma grande cidade (11:3-4). Eles procuraram bênção no fruto de seu próprio labor em vez de procurarem na promessa de Deus.
A ordem de Deus a Abrão é, com efeito, uma reversão daquilo que o homem tentou fazer em Babel. Abrão estava seguro e confortável em Ur, uma grande cidade. Deus o chamou para deixar aquela cidade e trocar sua casa por um tenda. Deus prometeu a Abrão um grande nome (aquilo que as pessoas de Babel procuravam, 11:4) por sair de Ur, deixando a segurança de sua parentela, e confiando somente em Deus. Quão diferentes são os caminhos do homem dos caminhos de Deus!

A Aliança com Abrão
(12:2-3)

Tecnicamente, a aliança com Abrão não está no capítulo 12, mas nos capítulos 15 (verso 18) e 17 (versos, 2, 4, 7, 9, 10, 11, 13, 14, 19, 21), onde aparece a palavra aliança. É lá que seus detalhes específicos são pronunciados. Aqui no capítulo doze são introduzidas suas características gerais.
As três promessas principais estão contidas nos versos 2 e 3: terra, descendência e bênção. A terra, como já dissemos, está implícita no verso 1. Na época do chamado de Abrão, ele não sabia onde era esta terra. Em Siquém Deus prometeu lhe dar “esta terra” (12:7). Até o capítulo 15 não havia uma descrição completa da terra que seria dada:
“Naquele mesmo dia, fez o Senhor aliança com Abrão, dizendo: À tua descendência dei esta terra, desde o rio do Egito até ao grande rio Eufrates...” (Gênesis 15:18)
Esta terra jamais pertenceu a Abrão em vida, conforme Deus mesmo dissera (15:13-16). Quando Sara morreu, ele teve que comprar um pedaço de terra para sua sepultura (23:3 e ss). Aqueles que primeiramente leram o livro de Gênesis estavam prestes a tomar posse da terra que foi prometida a Abrão. Que emoção deve ter sido para as pessoas do tempo de Moisés ler esta promessa e perceber que a época da posse chegara.
A segunda promessa da aliança Abraâmica era que uma grande nação viria de Abrão. Já mencionamos a importância do Salmo 127 com relação aos esforços do homem em Babel. Bênçãos verdadeiras não vêm do trabalho árduo e torturantes horas de labor, mas do fruto da intimidade, chamado filhos. A bênção de Abraão deveria ser vista mais amplamente em seus descendentes. Eis aqui a base para o “grande nome” que Deus daria a Abrão.
Esta promessa exigia fé por parte de Abrão, pois era óbvio que ele já era idoso, e que Sarai, sua esposa, era incapaz de ter filhos (11:30). Passar-se-iam muitos anos antes que Abrão entendesse inteiramente que este herdeiro que Deus prometera viria da união dele com Sarai.
A última promessa era a bênção - bênção para ele, e bênção através dele. Muitas das bênçãos de Abrão viriam na forma de sua descendência, mas havia também a bênção que viria através do Messias, que traria salvação ao povo de Deus. Sobre esta esperança, nosso Senhor disse: “Abraão, vosso pai, alegrou-se por ver o meu dia, viu-o e regozijou-se.” (João 8:56)
Além disso, Abrão estava destinado a se tornar uma bênção para os homens de todas as nações. A bênção viria através de Abraão de muitas maneiras. Aqueles que reconhecessem a mão de Deus em Abrão e seus descendentes seriam abençoados por seu contato com eles. Faraó, por exemplo, foi abençoado ao exaltar José. Os homens de todas as nações seriam abençoados pelas Escrituras que, em grande parte, vieram através da instrumentalidade do povo judeu. Finalmente, o mundo inteiro foi abençoado pela vinda do Messias, que veio salvar homens de todas as nações, não apenas os judeus:
“Sabei, pois, que os da fé é que são filhos de Abraão. Ora, tendo a Escritura previsto que Deus justificaria pela fé os gentios, preanunciou o evangelho a Abraão: Em ti, serão abençoados todos os povos. De modo que os da fé são abençoados com o crente Abraão.” (Gálatas 3:7-9)

A Obediência de Abrão
(Gênesis 11:31-32, 12:4-9)

Fico extremamente preocupado com a exaltação de heróis, especialmente pelos cristãos. Os gigantes da fé parecem ser personagens excelentes sem nenhuma falha evidente, como uma máquina de disciplina, e fé infalível. Não encontro tais pessoas na Bíblia. Os heróis da Bíblia são homens “sujeitos a paixões” (Tiago 5:17) e pés de barro. Esse é o meu tipo de herói. Posso me identificar com homens e mulheres como este. E, o mais importante, posso encontrar esperança para uma pessoa como eu. Pouco se admira de que homens como Pedro e não Paulo, sejam nossos heróis, pois podemos nos ver neles.
Abrão foi um homem como você e eu. O relato de Moisés desses primeiros passos da fé deixa evidente que muito mais deveria ser desejado e desenvolvido nele. Deus o chamou em Ur, mas Abrão não deixou a casa de seu pai ou de sua parentela. Agora realmente Abrão deixou Ur e foi para Harã, mas me parece que isto foi apenas porque seu pai pagão decidiu deixar Ur. Pode muito bem ter havido fatores econômicos ou políticos que tornaram a mudança oportuna, fora de qualquer consideração espiritual.
Muitas das primeiras mudanças de Abrão não foram nem propositais, nem piedosas, antes foram mais reações passivas a forças externas. Deus providencialmente levou Terá a arrancar as raízes de Ur e mudar para Canaã (11:31). Por alguma razão, Terá e sua família parou próximo a Canaã, e permaneceu em Harã. Desde que Abrão não teve disposição ou foi incapaz de deixar a casa de seu pai, Deus levou o pai de Abrão à morte (11:32). Então Abrão obedeceu a Deus pela fé e entrou na terra de Canaã, mas somente após consideráveis passos preparatórios serem tomados por Deus.
Não estou dizendo que Abrão não obedeceu a Deus pela fé, mas foi uma fé muito fraca, e muito tardia. No entanto, será que tal afirmação contradiz as palavras das Escrituras? É inconsistente com as palavras do escritor aos Hebreus?
“Pela fé, Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir para um lugar que devia receber por herança; e partiu sem saber aonde ia.” (Hebreus 11:8)
Pelo menos duas coisas devem ser ditas em resposta a esta questão. Primeiro, a ênfase de Hebreus 11 está na fé. O escritor desejava ressaltar os aspectos positivos do caminhar dos cristãos, não suas falhas. Assim, as falhas não são mencionadas. Segundo, coerentemente com esta abordagem, o autor não ressalta o quanto demorou a obediência de Abrão. Ele simplesmente escreveu “...Abraão, quando chamado, obedeceu, a fim de ir.” Lembremos que Abrão realmente foi para Canaã, exatamente como Moisés foi para o Egito, mas não sem uma considerável pressão por parte de Deus.
Não deveríamos achar isto desanimador, mas coerente com nossa própria relutância em colocar nosso futuro em linha com uma fé ativa, agressiva e inquestionável. Abraão foi um homem de grande fé - depois de anos de provações dadas por Deus. Mas na época do chamado de Abrão, ele era um homem cuja fé era muito pequena; verdadeira, mas pequena. E se formos honestos conosco mesmos, isso é justamente como a maioria de nós é. Em nossos melhores momentos, nossa fé é vibrante e vigorosa, mas nos momentos de provação, é fraca e escassa.
Uma vez na terra de Canaã, a rota tomada por Abrão é algo digno de nota. Antes de mais nada deve ser dito que foi uma rota que qualquer um esperaria que ele tivesse tomado se estivesse indo naquela direção. Uma olhadela no mapa do mundo antigo da época dos patriarcas indicaria que Abrão viajou por estradas bem movimentadas de sua época.135 Esta rota era aquela comumente usada por aqueles que estavam engajados no comércio daquele tempo.
Creio que esta é uma observação importante, pois muitos cristãos parecem sentir que o jeito de Deus é um jeito bizarro ou incomum. Não esperam que Deus os conduza de forma normal e previsível. A lição que precisamos aprender é esta: muitas vezes a maneira como Deus nos mandaria ir é, de qualquer forma, a mais lógica que teríamos escolhido. Somente quando Deus deseja nos afastar daquilo que é esperado é que devemos procurar por algo espetacular ou incomum.
Cassuto lembra que os lugares mencionados (Siquém, Betel, Neguebe) são muito importantes. Ele crê que a terra foi assim dividida em três regiões: a primeira, que se estendia desde o norte até Siquém, a segunda de Siquém até Betel, e a terceira de Betel até o limite ao sul.136
Jacó, após seu retorno de Padã-Harã, veio primeiramente a Siquém (33:18). Mais tarde foi instruído a subir até Betel (35:1, cf. verso 6). Tanto em Siquém quanto em Betel ele edificou altares, como Abrão, seu avô. (33:20, 25:7).
Quando Israel entrou em Canaã, para possuí-la sob a liderança de Josué, estas mesmas cidades chaves foram capturadas.
Assim Josué os enviou, e eles se foram à emboscada, colocando-se entre Betel e Ai, ao ocidente de Ai; porém Josué passou aquela noite no meio do povo. (Josué 8:9)
Então, Josué edificou um altar ao Senhor, Deus de Israel, no monte Ebal. (Josué 8:30)
Cassuto conclui que a jornada incerta de Abrão delineou o território que pertenceria a Israel, e que os lugares onde ele parou previram simbolicamente a conquista da terra.137 Num comentário a parte, Cassuto acrescenta o fato de que esses lugares também foram os centros religiosos da adoração cananita.138 De fato, os atos de Abrão ao erigir os altares e proclamar o nome do Senhor profetizaram a época vindoura quando a verdadeira adoração sobrepujaria a religião pagã dos cananeus. Apesar de não ser conhecido o significado exato da expressão “invocou o nome do Senhor”, esta certamente é uma descrição de adoração. É difícil crer que o ato público de adoração de Abrão não fosse notado ou visto com especial interesse pelos cananeus. Pessoalmente, creio que haja algum tipo de papel missionário sendo desempenhado por Abrão. Como tal, teria sido um ato decorrente da fé.

Conclusão

Características de uma Vida de Fé

Desses primeiros acontecimentos do amadurecimento de Abrão na graça de Deus são encontrados muitos princípios que descrevem o andar da fé em todas as épocas, e, certamente também na nossa.
(1) A fé de Abrão foi ativada pela iniciativa de Deus. A soberania de Deus na salvação é belamente ilustrada no chamado de Abrão. Abrão veio de um lar pagão. Pelo nosso conhecimento, ele não tinha nenhuma qualidade espiritual que atraísse a Deus. Deus, em Sua graça eletiva, escolheu Abrão para segui-lO, enquanto ele ainda estava em seus próprios caminhos. Abrão, como Paulo, e os verdadeiros crentes de todas as épocas, reconheceria que foi Deus Quem o procurou e o salvou, com base na Sua graça.
(2) A obra soberana de Deus continuou ao longo da vida espiritual de Abrão. Deus não é soberano somente na salvação, mas soberano no processo de santificação. Tivesse a vida espiritual de Abrão dependido somente de sua dedicação, a história de Abrão teria terminado muito rapidamente. Tendo chamado Abrão, foi Deus quem providencialmente o levou ao ponto de deixar sua casa e sua terra e entrar em Canaã. Graças a Deus que nossas vidas espirituais são, no final das contas, dependentes de Sua fidelidade e não da nossa!
(3) A caminhada cristã é uma peregrinação. Abrão viveu como peregrino, procurando a cidade de Deus:
Pela fé, peregrinou na terra da promessa como em terra alheia, habitando em tendas com Isaque e Jacó, herdeiros com ele da mesma promessa; porque aguardava a cidade que tem fundamentos, da qual Deus é o arquiteto e edificador. (Hebreus 11:9-10)
Nosso lar permanente não será encontrado nesse mundo, mas naquele que está por vir, na presença de nosso Senhor (cf. João 14:1-3). Essa é a mensagem do Novo Testamento (cf. Efésios 2:19, I Pedro 1:17, 2:11).
A tenda, então, é um símbolo de peregrinação. Ele não investe naquilo que não vai durar. Não ousa ficar atado àquilo que não pode levar com ele. Nesta vida não podemos esperar possuir plenamente aquilo que está reservado para o futuro, mas apenas vislumbrá-lo. A vida cristã não é conhecer exatamente o que o futuro reserva, mas conhecer Aquele que reserva o futuro.
(4) A caminhada cristã está alicerçada na confiabilidade da Palavra de Deus. Quando você para pensar sobre isso, Abrão não tinha nenhuma prova concreta, tangível, de que uma vida de bênçãos estava à sua frente, fora de Ur, longe de sua família. Tudo com o que ele podia contar era Deus, O qual se revelara a ele.
No final das contas, isso é tudo o que qualquer um pode ter. Há, claro, evidências para uma fé racional, mas no fundo, no fundo, simplesmente devemos crer naquilo que Deus nos diz em Sua Palavra. Se a Sua “Palavra não é verdadeira e confiável, então, nós, de todos os homens, somos os mais miseráveis.”
Mas isso não é suficiente? O que mais podemos querer além da Palavra de Deus? Outro dia ouvi um pregador colocar isso de forma muito explícita. Ele citou o tão batido: “Deus falou. Eu creio. Tá falado.” O pregador disse que poderia ser até mais conciso: “Deus falou, tá falado, creia você ou não.” Gosto disto. A Palavra de Deus é suficiente para a fé do homem.
Deus disse que todos os homens são pecadores, merecedores e destinados à punição eterna. Deus mandou Seu filho Jesus Cristo, Aquele a quem Abrão aguardava no futuro, morrer na cruz para sofrer a penalidade pelo pecado do homem. Somente Ele oferece ao homem a justificação necessária para a vida eterna. Deus disse. Você crê?
(5) A caminhada cristã é simplesmente fazer aquilo que Deus nos diz para fazer e crer que Ele está nos guiando para tal. Deus disse a Abrão para partir sem saber aonde o caminho da obediência o levaria, mas, crendo que Deus o guiava, ele foi. Não espere que Deus indique cada curva da estrada com uma sinalização clara. Faça aquilo que Deus lhe diz para fazer da maneira mais consciente que você conheça. A fé não é desenvolvida por viver uma vida com alguma espécie de mapa, mas pelo uso da Palavra de Deus como bússola, apontando-nos a direção certa, embora desafiando-nos a andar pela fé e não pela vista.
À medida que Abrão ia de um lugar para outro, a vontade de Deus deve ter parecido um enigma. Mas, quando olhamos para o caminho trilhado por ele, podemos ver que Deus o esteve guiando o tempo todo. Se parou ou não ao longo da jornada foi irrelevante ou sem propósito. Tal será o caso quando pudermos olhar para trás em nossas vidas com a vantagem do ponto de vista do tempo.
(6) A caminhada cristã é um processo de crescimento na graça de Deus. Muitas vezes lemos sobre Abraão, um homem de fé, supondo que ele sempre foi esse tipo de homem. Espero que nosso estudo do período inicial de sua vida indique outra coisa. Há quanto tempo você é cristão, meu amigo? Um ano? Cinco anos? Vinte anos? Você percebe que, provavelmente, foram anos desde a época do chamado de Abrão até ele terminar em Canaã? Você sabe que depois dele entrar em Canaã foram outros 25 anos até ele ter seu filho Isaque? Você pode imaginar o fato de que depois de partir de Harã para Canaã, Deus trabalhou na vida de Abrão durante uma centena de anos? A fé cristã cresce. Cresce com o tempo e com as provações. Tal foi verdade na vida de Abrão139. Tal é o caso com todos os crentes.
Possa Deus nos capacitar a crescer na graça na medida em que trilhamos o caminho que Ele ordena, e na medida em que continuamos a estudar o crescimento da fé de Abrão ao longo do anos.

128 S. Schultz, “Abraão”, The Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible (Grand Rapids: Zondervan, 1975, 1976), I, p. 26.
129 Cyrus Gordon sugere que a verdadeira Ur de Gênesis 11:31 deve ser encontrada ao norte da Mesopotâmia, provavelmente a nordeste de Harã. Seu ponto de vista é discutido, porém rejeitado por Howard F. Vos, Genesis and Archeology (Chicago: Moody Press, 1963), pp. 63-64. E é sustentado por Harold G. Stiflers, A Commentary on Genesis (Grand Rapids: Zondervan, 1976), pp. 133-134.
130 Cf. Vos, Genesis and Archeology, pp. 58-64.
131 “A cidade de Ur, no baixo Eufrates, foi um grande centro populacional, e rendeu extensas informações das tumbas reais que foram escavadas sob a direção de Sir Leonard Wooley e o patrocínio do Museu Britânico e do Museu da Universidade da Pensilvânia. Embora nenhuma evidência direta da residência de Abraão esteja disponível, o importante é que a cidade de Ur reflete a longa história anterior à época de Abrão, possuindo um elaborado sistema de escrita, instalações educacionais, cálculos matemáticos, registros religiosos, de negócios e de arte. Isto demonstra o fato de que Ur possa ter sido uma das maiores e mais abastadas cidades na área do Tigre-Eufrates quando Abraão emigrou da região norte para Harã.” Schultz, “Abraão”, ZPEB, I, p. 22
132 Vos, p. 63.
133 Embora pareça, por uma leitura superficial de Gênesis (11:31-12:1), que Deus chamou Abrão quando este estava em Harã, pelo relato contraditório de Estêvão, Deus o chamou na Mesopotâmia, antes dele viver em Harã; os dois relatos podem ser harmonizados ao se notar que Gn. 11:27-32 é um parêntese da geração de Terá, introduzido por um waw disjuntivo, e que Gn. 12:1, introduzido por um waw consecutivo, continua a narrativa principal que foi interrompida em Gn. 11:26.” Bruce Waltke, Unpublished Class Notes, Dallas Theological Seminary, pp. 14-15.
134 Cassuto, grande estudioso das diferenças de opinião judaicas, diz em seu comentário de Gênesis 12:7:
135 Harã, por exemplo, em assírio (harranu) significava “estrada principal.” Waltke, anotações de aula, p. 14.
136 Cassuto, Genesis, II, p. 304.
137 “Eis porque podemos entender que a Torá tenha ressaltado, em todos os detalhes, as jornadas de Abrão ao entrar na terra de Canaã, a princípio até Siquém, e subseqüentemente até Ai-Betel. Neste ponto a Escritura pretendia nos mostrar, através da conquista simbólica de Abrão, uma espécie de previsão daquilo que mais tarde aconteceria a seus descendentes.” Cassuto, Genesis, II, pp. 305-306.
138 Ibid, p. 306.
139 “...A vida de Abrão é um crescimento na fé desenvolvida sob o demorado cumprimento das promessas divinas. Foi-lhe prometido um descendente e quando esse descendente demorou a chegar, ele precisou, de alguma forma, ver o significado daquela demora e aprender a ter fé em Deus. Quando lhe foi prometida uma terra, e esta não lhe foi dada, ele precisou olhar para além da promessa, para Aquele que a fez, para que pudesse compreender. Quando lhe foi ordenado sacrificar Isaque, ele precisou obedecer com um coração ardente de amor, ainda que, de certa forma, percebesse o equilíbrio entre a ordem e a promessa da descendência de uma nação, e deixasse o resultado por conta de Deus, e encontrar Nele sua suficiência. Através de todas as suas experiências ele devia enxergar a Deus como a origem de tudo que iria enfrentar.” Stagers, Genesis, p. 135.